Hieróglifos estranhos e representações de deusas e deuses egípcios foram encontrados no Vale do Pó, norte da Itália, revelando um exemplo único de Egiptomania.
Em Casalbuttano ed Uniti, uma vila a 16 km de Cremona, a decoração de inspiração egípcia foi encontrada e restaurada após a retirada da tapeçaria de um quarto do Palazzo Turina, uma construção do século XVIII que agora abriga a prefeitura da vila.
Surgiu um teto azul estrelado e, nas paredes pintadas de rosa e creme, faixas coloridas revelaram uma riqueza em hieróglifos.
Pintados com estonteantes efeitos em trompe-l’oeil para criar a ilusão de estátuas reais, desenhos de deusas e deuses egípcios surgiram nos cantos do cômodo.
“Foi uma descoberta incrível. A cola animal usada para a instalação da tapeçaria acabou conservando os afrescos, que só precisavam de uma limpeza básica”, conta Virginia Bocciola, uma das arquitetas que comandaram a restauração.
Apesar de arqueólogos terem encontrado o quarto em 2006, ele ficou relativamente desconhecido até pouco tempo, quando Annamaria Ravagnan, responsável pelo corpo de museus da região da Lombardia, pediu que especialistas estudassem a decoração incomum do ambiente.
“Na Lombardia, temos várias vilas com quartos decorados com estilo egípcio, mas nenhum como o de Casalbuttano”, disse Annamaria ao Discovery News.
Jean-Marcel Humbert, Curador Geral do Patrimônio e Inspetor Geral dos museus da França (Ministério da Cultura) concorda.
“Há muitos cômodos desse tipo na Itália e no mundo todo. Todos são diferentes desse pelo período, pelo estilo, pelo tamanho. O quarto de Casalbuttano é único”, disse ele.
Humbert, que é especialista em Egiptologia e um dos maiores experts em Egiptomania – a fascinação por coisas egípcias –, vai publicar um estudo detalhado sobre o quarto no início de 2012.
“É muito interessante devido ao uso de hieróglifos e das adaptações que foram feitas”, disse.
De fato, o pintor que fez as imagens egípcias produziu cenas bizarras e até difíceis de interpretar.
Apesar de os hieróglifos serem reais, a maneira como estão ordenados formam um texto incompreensível, enquanto as divindades misturam detalhes claramente egípcios com outros completamente obscuros.
“O estudo é complicado, mais do que em outros cômodos encontrados, porque não está sendo fácil encontrar os modelos de referência”, ressalta Humbert.
Algumas das divindades, identificadas como Sekhmet, Taweret, Hathor e Horus, possuem detalhes que não têm qualquer relação com seu papel na História do Egito.
Por exemplo, Sekhmet, a deusa da cura com cabeça de leão, está sentada no que parece ser uma cadeira etrusca com inscrições sem sentido.
Taweret, a deusa do nascimento e da fertilidade, é normalmente representada com uma cabeça de hipopótamo, patas de leão e cauda de crocodilo, mas, nesta representação, possui uma cauda de vaca.
Pouco se sabe sobre o artista que fez o quarto.
“Sabemos que a rica família Turina deixou a decoração do palácio a cargo de um dos melhores artistas da época, como Gioacchino Serangeli e Giovanni Motta”, disse Maurizio Telli, conselheiro da cultura de Casalbuttano.
O quarto deve ter sido feito após a campanha militar de Napoleão, que ocorreu entre 1798 e 1801, quando os Turinas, assim como muitos outros europeus, ficaram fascinados pelo Egito.
A expedição fracassada gerou uma publicação de vários volumes chamada Description de l’Égypte (Descrição do Egito), um trabalho colaborativo feito por cerca de 160 acadêmicos e cientistas, conhecidos como sábios, e por 2 mil artistas e 400 entalhadores que acompanharam os soldados de Napoleão.
Primeiramente publicada em 1809 e sequenciada até a publicação do último volume em 1829, a obra Description de l’Égypte é a base da Egiptologia moderna.
Apesar de o Egito Antigo gerar fascinação muito antes da campanha de Napoleão, a publicação única, com grandes e impressionantes ilustrações em prata, contribuiu muito para o fascínio associado ao estilo egípcio.
Esfinges, obeliscos, pirâmides e “quartos egípcios” começaram a aparecer por todos os lados na Europa.
“Gostamos de pensar que nosso quarto egípcio é único. Aqui, a restauração produziu resultados surpreendentes”, disse Telli.
O quarto egípcio está aberto a visitação sob solicitação prévia.